Não sei exatamente como começar o dia de hoje, 10 de setembro de 2012. Há um ano atrás, no dia nove, cheguei no quarto 334.... Lá estava ela sendo massageada pela bota mecânica, sua pele tão branca como seus cabelos brancos, seu eu tão nosso, tão nosso... ela sempre foi nossa, nunca pensei numa vó só minha, minha vó sempre foi nossa. Naquele dia nove nós, hermanita e eu, dormíamos acordadas ao lado de sua última noite, que de última não teve nada...
ela está por todos os cantos e centros da casa do ontem, ela está na escada da casa de santo antônio, nos sonhos das crianças, em lugar de destaque na sala da trompowsky, em algum lugar guardado na beira mar, no vazio/cheio do flamboyan, na casa das meninas, neste blog, nos versos da helena, em nós todos e em mim...
Para
quem não sabe, umas das minhas ligações mais fortes com a vózica (sim
com acento, tente pronunciar assim), com a Jahir, com a Jô é a leitura.
Ela era uma leitora voraz, tinha lido tudo e mesmo assim já com seus 89
anos releu comigo e discutia Crime e castigo, Pais e filhos, Metamorfose, O processo e Grande sertão veredas....
depois disso um de seus filhos, meu tio, foi morar em outro mundo e aí
tudo mudou e ela parou de ler. Ela dizia que não era justo se divertir
tanto enquanto outros amados não podiam mais se divertir. Foi triste
vê-la todos os dias na janela da gama d´eça sonhando com coisas que já
não podia tocar.... viver muito é muito triste, minha filha... dói muito
viver quando você já se despediu de tanta gente colada em você... não
desejo isso a ninguém....
Sabe,
vózica, você nunca falou muito sobre poesia, ainda temos muito que
conversar, por isso fiquei muito surpresa quando você presenteou minha
bonequinha de cetim, nossa, afinal ela também é muito sua, um caderno, o
qual você chamou de álbum de poesias, que você havia antes regalado para sua irmã Nair em 1935.
Hoje,
neste dia tão especial, o dia de aniversário de sua ida para junto
daqueles que tanto queria, te dedico o primeiro poema que você
transcreveu a sua irmã no álbum de poesias e transcrevo sua dedicatória
tão sua, tão minha, tão nossa:
Há,
em torno de nós, toda uma infinidade de manifestações divinas, que, por
nos habituar-nos a vê-las, parecem simples matéria bruta; e não é no
burburinho egoísta da cidade que poderemos nos levantar deste caos de
materialismo; é ouvindo e compreendendo a voz das cousas, o grande
espiritualismo que emana de toda a natureza.
Oferto-te estes elos e significativos versos de Paulo Setúbal
com toda a afeição
Jahir
Eu venho, muita vez, a sós, pela noitinha,
Ouvir a natureza incompreendida, a minha
Amada, a minha amiga, a minha confidente!
Ouvir a natureza incompreendida, a minha
Essa apagada voz de surdinas estranhas,
Que vem dos ribeirões, que sobe das montanhas,
E acorda, dentro dalma, em nossa soledade,
Um místico pungir de mágoa e de saudade.
Ah! cada árvore tem uma íntima linguagem!
Ah! cada árvore tem, fremindo na ramagem,
Uma alma como nós, que nós não vislumbramos,
Mas que vibra no ar e palpita nos ramos...
Já repararam quando as brisas vespertinas
Sopram, como, a gemer, sofrem as casuarinas?
E choram os chorões? soluçam os pinheiros?
Murmuram os ipês e cantam os coqueiros
Quando o vento, a passar, balouça-os palma a palma?
Homens, reparai bem que as árvores têm alma!
Reparai que à noitinha, à luz do lusco-fusco,
O ruído, os sons da vida, estacam-se de brusco,
E cada árvore fica imersa num cismar
De quem compreende e sente a dor crepuscular...
Oh! vós que respirais a poeira da cidade,
Vós nunca entendereis a doce suavidade,
A música dorida, a estranha nostalgia,
Que vem da solidão quando desmaia o dia!
Vós nunca entendereis essa rude grandeza.
Essa infinita paz, essa imensa tristeza,
Que sai do coração da mata bruta, quando
Resplandecem no céu os astros palpitando...
É preciso viver longe da turba humana,
Longe do mundo vão, longe da vida insana,
Para sentir, amar, ouvir essa tristeza,
Que exala, ao pôr do sol, a maga natureza!
Ai! Quanta vez, eu fico a sós, pela noitinha,
Ouvindo a natureza, a inspiradora minha!
Ouvindo o pinheiral com seu gemer infindo,
Ouvindo a noite, ouvindo as árvores, ouvindo
Os ventos, e na volta exígua duma curva,
Ouvindo o ribeirão de correnteza turva,
Que vai, soturno, uivando o estrépito das águas,
Consigo rebramando incompreendidas mágoas...
E assim, no ermo da tarde, escutando, enlevado,
Esse vago murmúrio, esse rumor sagrado,
Eu quedo-me a cismar num êxtase de crente,
Como se eu estivesse a ouvir, confusamente,
A própria voz de Deus ecoar na solidão,
Povoar a natureza e encher meu coração...
Um comentário:
A vózica realmente foi e é importantíssima para nós.. e sim ela eh nossa, nunca só de uma ou um... o coração dela sempre teve espaço para todos nós e mais um pouco...
Aquela noite diferente do que se possa imaginar não foi dificil.. foi ótima, acho que ela realmente estava la presente com a gente.. desde o momento em que me escondi no banheiro para não ser expulsa ou quando cada uma de nos duas enquanto a outra estava no banheiro, afirmamos a ela de que estava na sua hora e que todos nós ficariamos bem... Pois logo depois ela realmente se foi....
Mas ela foi uma luz na nossa vida.. e a luz continua e a presença também... Ela ganhou o seu espaço na eternidade para nós..
Amamos muito vc vózica de coração e para todo o sempre...
Te amo sis.. Fe
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